A atividade
naturalística de Herbert Franzoni Berla (1912-1985), ornitólogo e acarologista
do Museu Nacional
José Fernando Pacheco &
Ricardo Parrini
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Instituto de Biologia, Lab.
de Ornitologia Rodovia BR465 Km 7 23851-970 - Seropédica, RJ
Um grupo pequeno de pesquisadores brasileiros atuou no
cenário ornitológico nacional até os anos 1970. Mesmo se juntarmos a estes, os
estrangeiros que por aqui se radicaram e que desempenharam função de pesquisador
em uma das três principais instituições brasileiras de História Natural, esse
grupo permanece pequeno. Fizeram parte deste grupo e foram especialmente
ornitólogos: Emilie Snethlage, no Museu Goeldi, entre 1905 e 1921 e no Museu
Nacional do Rio de Janeiro (MNRJ), entre 1922 e 1929; Olivério Pinto, entre 1929
e 1981 e Eurico Camargo, entre 1939 e 1966, no Museu Paulista; Herbert Berla,
entre 1931 e 1980, Augusto Ruschi, entre 1939 e 1986 e Helmut Sick, entre 1960 e
1980, no MNRJ (Cunha 1989, Nomura 1991, 1992, Gonzaga 1991). Eram alemães
Snethlage e Sick, embora o segundo tenha se naturalizado brasileiro (Cunha 1989,
Gonzaga 1991). Dois contemporâneos deste grupo, ainda vivos, são Fernando Novaes
(71 anos) do Museu Goeldi (Silva & Oren 1992) e Hélio Camargo (76) do Museu
de Zoologia da Universidade de São Paulo, MZUSP (Nomura 1995).
Alguns integrantes rememoráveis destas instituições que
produziram trabalhos ornitológicos, embora não tenham sido genuinamente
ornitólogos, foram: Emílio Joaquim da Silva Maia [MNRJ], Carl Schreiner [alemão,
naturalizado brasileiro, naturalista do MNRJ], Emil Goeldi [suiço, naturalista
no MNRJ e diretor do Museu Goeldi], Hermann von Ihering [alemão, naturalista no
MNRJ e diretor do Museu Paulista], Alípio de Miranda Ribeiro [MNRJ], Cunha
Vieira [Museu Paulista], João Moojen [MNRJ] e Cory Carvalho [Museu Goeldi] (Feio
1960, Nomura 1991, 1995, Sick 1997:45-58).
Nesse contexto, Berla – rivalizando com Eurico Camargo –
é o menos conhecido e celebrado de nossos ornitólogos pioneiros (Fig. 1). Em
parte, por esta razão, resolvemos resgatar e reunir algumas informações
relativas à vida e obra deste naturalista, primeiramente ornitólogo e depois
acarologista, que por mais de 40 anos se dedicou à coleção e conservação de
material zoológico e aos estudos taxonômicos. A outra motivação, de ordem
pessoal, está relacionada com reminiscências do primeiro autor desta nota. Por
contingência, foi Berla (e não Sick), quem primeiro "abriu" as portas da coleção
de aves do MNRJ a Pacheco, há 21 anos atrás. Sua paciência e gosto em conversar
com um novato – primeiro no museu e depois na varanda de sua casa, quando já
estava adoentado – foram decisivos para sedimentar em Pacheco o gosto pela
classificação das aves. Através destes encontros, Berla pode contar "sua versão"
pessoal sobre a história recente da coleção ornitológica do MNRJ, da qual foi,
alternadamente, personagem e testemunha.
Os primeiros passos como naturalista (antes de
1940)
Herbert Franzoni Berla nasceu no Rio de Janeiro, então
Distrito Federal, em 7 de abril de 1912, sendo filho do médico Carlos Coimbra
Berla e de Maria Elisa Franzoni Berla. Sua vocação naturalística se desenvolveu
logo, motivada, sem dúvida, pelas caçadas do pai e amigos, das quais começou a
participar desde muito jovem. Parte de sua infância e adolescência foram
passadas em Monte Alto, interior de São Paulo; onde seus pais passaram a viver
até retornarem ao Rio. Aos 20 anos, foi admitido como praticante-gratuito pela
Seção de Zoologia do MNRJ, chefiada na ocasião por Alípio de Miranda Ribeiro
(1874-1939). Neste período inicial, pode aprender técnicas de coleta e
preservação dos mais variados grupos zoológicos. Em princípio, porém, se
interessou especialmente pela preparação de artrópodes em geral. Em 1933, Berla
se filiou à Sociedade Entomológica do Brasil, fundada onze anos antes, tendo
recebido o 80º título de associado desta Sociedade.
Até 1940, quando foi admitido como Auxiliar de
Escritório VIII (Port. 1038, de 3/6/40 – MN), sua vinculação com o Museu
Nacional era equivalente a de um estagiário dos dias atuais. O seu maior e mais
constante amigo, o herpetologista Antenor Leitão de Carvalho (1910-1985),
resolveu se inscrever [também] como praticante gratuito da Seção de Zoologia do
MNRJ em 1933 (Nomura 1993). Ambos, Antenor e Berla, tornarem-se grandes amigos e
vizinhos do bairro de Jacarepaguá, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, a
partir desta época (Fig. 2).
Berla, da mesma forma que "Antenor não tinha formação
acadêmica como acontecia com muitos zoólogos da sua época" (Nomura 1993). Em
1932, ele concluiu o curso secundário no Ginásio Arte e Instrução (no bairro
carioca de Cascadura) e, simultaneamente, ficou quites com o serviço militar
obrigatório. Nos anos seguintes, estudando, aprimorou seus conhecimentos de
Inglês e Francês. Sendo descendente de família suiça, Berla entendia um pouco de
Alemão, por influência familiar.
Excursões oficiais do início da carreira e outras atividades
(1940-1946)
Sua primeira excursão oficial a serviço do Museu
Nacional, antes da contratação contudo, foi realizada ao oeste de São Paulo
(Ilha Seca) e Mato Grosso do Sul (Salobra) em fevereiro e março de 1940, como
auxiliar de João Moojen, acompanhando expedição do Instituto Oswaldo Cruz
(Travassos 1940).
Sua segunda missão oficial no campo, se deu no segundo
semestre do mesmo ano, quando foi requisitado pelo Diretor do Serviço de Estudos
e Pesquisas da Febre Amarela Silvestre (SEPFA), para desempenhar as funções de
ornitólogo da excursão a ser realizada ao norte do Espírito Santo. Pinto
(1945:315) informa que este trabalho de colecionamento de exemplares
ornitológicos, realizado entre agosto e novembro de 1940, foi fruto do convênio
do SEPFA com a Fundação Rockfeller, americana. Ainda segundo Pinto (1945),
participaram como coletores desta excursão, além de H. F. Berla, o americano
Ernst G. Holt e os brasileiros G[entil] Dutra e L[eoberto] C. Ferreira e as
localidades trabalhadas foram [Lauro Muller,] Pau Gigante (= Ibiraçu, seg.
Paynter & Traylor 1991), [São Domingos,] Colatina e [Água Boa,] Santa Cruz.
Apesar de não se conhecer o total de peles colecionadas nesta campanha, sabe-se
que o material reunido foi encaminhado, pelo menos, ao MNRJ (Ruschi 1951) e ao
MZUSP (Pinto 1945) e que cerca de 300 peles estão depositadas na primeira
instituição (obs. pess.).
Alguns exemplares coletados em Mambucaba, região sul do
Estado do Rio de Janeiro, atestam a atividade de Berla em agosto de 1940;
portanto, um pouco antes de sua partida para o Espírito Santo (Pacheco et
al. 1997). Nesta ocasião, esteve nas Fazendas Cedro e Rubião, repetidamente
exploradas por ele e João Moojen entre 1939 e 1958. Outras localidades no Estado
do Rio de Janeiro e na região Sudeste em geral foram visitadas e revisitadas,
durante toda a sua carreira de coletor zoológico. Uma relação completa destes
locais trabalhados não é possível completar sem o exame do material depositado
no MNRJ e nas instituições estrangeiras. Examinamos ou temos informações sobre
material ornitológico coletado por Berla nas seguintes localidades adicionais e
respectivas datas: Jacarepaguá e Barra da Tijuca, na capital, RJ (1940-1969),
Parati, RJ (1950, 1956), Ibitinga, SP (1951), Guapé, MG (1952), Tinguá, RJ
(1958), Faz. da Serra, Itatiaia, RJ (1968, 1969), Mendes, RJ (1970) e Faz.
Coroado, Ponte Coberta, RJ (1970).
Em 1941, Berla inicia suas atividades na localidade de
Pedra Branca, em área de encosta florestada da Serra do Mar. Neste ano, suas
atividades de coleta e observações biológicas foram concentradas em duas
excursões a esta localidade; a primeira entre 6 de janeiro e 19 de julho e a
segunda entre 15 de novembro e 19 de dezembro. Como fruto direto desta
atividade, ele publicou em 1944 a "Lista das aves colecionadas em Pedra Branca,
município de Parati, Estado do Rio de Janeiro, com algumas notas sôbre sua
biologia" (Bol. Mus. Nac. Zool. no. 18:1-21). Este seu primeiro artigo
foi pioneiro e fundamental para o conhecimento ornitológico da região da "Costa
Verde" do Estado do Rio de Janeiro (Pacheco et al. 1997). Ainda em 1941,
foi admitido como Conservador XI do MNRJ. No final deste ano, foi incumbido da
determinação científica dos 206 exemplares de aves oriundas da ‘sexta excursão
do Instituto Oswaldo Cruz à zona da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil’,
conforme citado em Travassos & Teixeira de Freitas (1942:269). Desta mesma
série, no ano seguinte, ele recebeu outros 241 exemplares oriundos da "sétima
excursão" para desempenhar igual tarefa (Travassos & Teixeira de Freitas
1943).
Entre fevereiro e abril de 1942, esteve colecionando
aves e pequenos mamíferos em Lagoa Santa, Minas Gerais. Foram estimadas cerca de
200 peles oriundas desta excursão, que estão depositadas na coleção seriada do
MNRJ (obs. pess.); contudo, ainda não estudadas ou divulgadas em conjunto.
Também em 1942, foi admitido para a função de Naturalista-Auxiliar (Port. 260,
de 12/5/42 – MN).
Em seu currículo, está registrado sua aprovação em
concurso para o cargo de Naturalista da Divisão de Zoologia em 1944. Sua
nomeação foi, segundo o mesmo documento, feita no ano seguinte, sendo enquadrado
na Classe "J" do Quadro Permanente do Ministério da Educação.
Entre 23 de junho de 1944 e 25 de maio de 1945, Berla
colecionou aves na Zona da Mata de Pernambuco, a convite do Serviço de Biologia
de Pesca. Suas amostras foram, em sua maioria, provenientes de Dois Irmãos (área
verde de Recife), da Usina São José, (município de Igaraçu), Engenho Pirajá
(município de Mercês) e Campo Grande (município de Limoeiro) Esta foi a sua mais
bem sucedida expedição em termos de resultados, especialmente porque Pernambuco,
bem como o Nordeste em geral, tinham sua avifauna ainda muito pouco estudada. A
relação do material identificado (cerca de 300 peles) e das "espécies
observadas, porém não colecionadas" foram divulgadas na íntegra em 1946 na
"Lista das aves colecionadas em Pernambuco, com descrição de uma subespécie n.,
de um alótipo fêmea e notas de campo" (Bol. Mus. Nac. Zool. no.
65:1-35).
Neste artigo, Berla descreveu a subespécie nordestina do
macuco, Tinamus solitarius pernambucensis, bem como fez a primeira
descrição da fêmea de Mymeciza ruficauda soror, forma descrita por Pinto
(1940) e privativa da mata atlântica nordestina, entre a Paraíba e Alagoas
(Pinto 1978).
Como resultado de seus estudos de gabinete, a frente da
coleção ornitológica do MNRJ, dois outros artigos foram publicados em 1946. No
primeiro "Alteração na posição sistemática de Pyrrhura pfrimeri Miranda
Ribeiro, 1920 " (Bol. Mus. Nac. Zool. no. 64:1-3) Berla decidiu, a partir
do exame dos lectótipos, pela inclusão deste táxon como subespécie de
Pyrrhura leucotis. Tal tratamento subespecífico para a tiriba P.
pfrimeri foi mantido até a recente sugestão de Olmos et al.
(1997), que recomendou o status de espécie para esta forma endêmica
do Brasil Central. No segundo artigo "Uma nova espécie do gênero Todirostrum
Lesson, 1831 (Passeriformes Tyrannidae)" (Summ. Bras. Biol. 1(8):1-3)
ele descreve um novo táxon baseando-se num exemplar único colecionado por Emil
Stolle, a serviço da Comissão Rondon na década de 1910, no rio Jamarí, "Mato
Grosso" (=Rondônia). Atualmente, esta forma é considerada subespécie de
Poecilotriccus capitalis, podendo nem mesmo possuir caracteres
subespecíficos distintivos e "somente [em 1986] foi reencontrada" pela expedição
do Field Museum em Cachoeira Nazaré, Rondônia (D. F. Stotz in
Ridgely & Tudor 1994:538). Estes autores, entretanto, desconheciam que a
atividade de coleta do pessoal do Museu Goeldi já havia encontrado
P.[capitalis] tricolor na Serra dos Carajás, sul do Pará em
1983-85, como se depreende da leitura de Novaes (1987).
Coletas na Zona da Mata Mineira e últimos trabalhos de ornitologia
(1947-1957)
Em 1947, Berla começa a excursionar regularmente ao vale
do rio Doce, na Zona da Mata Mineira. Passou desta forma a aproveitar as
facilidades advindas da transferência de seu pai, o Dr. Carlos Berla, para a
cidade de Raul Soares, utilizandoa como base para suas atividades de coleta de
material. Lá o seu pai passou a clinicar e se integrou a vida política local,
tendo sido também prefeito. A cidade de Raul Soares fica a 35 km ao sul do
Parque Estadual do Rio Doce e relativamente próximo de algumas tradicionais
localidades de coleta de material naturalístico, como Caratinga, Matipó e Vargem
Alegre. Berla pode trabalhar ainda em muitos dos grandes trechos de matas
primárias, típicas do alto vale do rio Doce, e acompanhar infelizmente o
processo de desmatamento maciço dessa região que se estendeu até o final da
década de 1950. Para demonstrar a potencialidade ornitológica de Raul Soares,
naquela época, basta dizer que Berla coletou amostras de Tinamus
solitarius, Crypturellus noctivagus, Leucopternis lacernulata
e Thamnomanes caesius.
A grande parte do material naturalístico coletado por
Berla, a partir deste ano de 1947, começa a ser comercializada com museus
americanos. Não existe uma estimativa do total de peles de aves que ele, durante
duas décadas, enviou especialmente ao Field Museum, de Chicago e ao Museu
de Los Angeles, mas é possível que lá esteja a maior parte de todo o seu
material coletado. Vale lembrar que muitas das peles coletadas ao longo de toda
a sua carreira foram preparadas por sua esposa, Iniah Medeiros Berla
(1915-1995), com quem casara em 19 de maio de 1938 (Fig. 5). Estas peles, com
acabamento mais caprichoso, são identificadas pelas iniciais I.M.B., constantes
da etiqueta.
De todas as espécies coletadas em Raul Soares uma, em
particular, merece destaque: Curaeus forbesi. Quatro exemplares desta
rara e ameaçada espécie de icteríneo foram coletados em 1957, enviados aos
Estados Unidos e incorporados às coleções acima referidas (Short & Parkes
1979). Encontra-se Raul Soares a mais de 1.200 km das localidades nordestinas de
registro de C. forbesi (Alagoas e Pernambuco) e até hoje não foi
confirmado o encontro de populações intermediárias desta espécie.
Os importantes exemplares da faixa de hibridação entre
as aloespécies Ramphocelus bresilius x Ramphocelus carbo, oriundos
da região do alto rio Doce, foram também coletados por Berla em setembro de 1948
(Novaes 1959).
Em 1954 publica, como produto tardio de sua campanha a
Pernambuco, realizada dez anos antes, o artigo "Um novo Psittacidae do Nordeste
Brasileiro (Aves, Psittaciformes)" (Rev. Bras. Biol. 14(1):59-60), onde
descreve o papagainho ou apuim, Touit surda ruficauda. Sua diagnose
baseada num menor tamanho e em sutis diferenças na coloração das retrizes do
macho a partir de 3 exemplares, foi questionada por Forshaw (1973) quando
sugeriu que "mais material deve ser obtido antes de se confirmar a validade
desta raça".
A participação na fase inicial da Machris Brazilian
Expedition foi destaque nas atividades de Berla em 1956. Esta grande
expedição interdisciplinar executada pelo Los Angeles County Museum e
patrocinada pelo milionário Maurice Machris, com o apoio do MNRJ, teve como
objetivo primordial investigar a fauna e a flora do Planalto Central Brasileiro
(Delacour 1957). Dois acampamentos-base foram levantados na região das
cabeceiras do rio Tocantins, próximo as localidades de São João da Aliança e
Formoso, ambas no norte de Goiás (Stager 1961; Fig 4). Os trabalhos de campo
desta expedição começaram em 12 de abril de 1956 e se estenderam até 15 de junho
de 1960 (Stager 1961, Fig 6). Embora, Berla tenha participado apenas das
atividades nos primeiros meses, sua ajuda foi valorosamente reconhecida quando
Stager (1961:7) registrou:
"I cannot speak too highly of the help I received from
Mr. Berla, for it was his excellent knowledge of the avifauna of Brazil that
made our ornithological efforts in Goiás a real success"
Um total de 859 espécimes de aves foram coletados nesta
expedição. Todos, com exceção dos tipos, estes encaminhados ao MNRJ, foram
depositados no Museu de Los Angeles. Stager (1959) descreve uma subespécie de
juruva, oriunda do norte de Goiás, em homenagem a Berla, Baryphthengus
ruficapillus berlai. Recentemente, entretanto, esta forma foi considerada
inválida por Straube & Bornschein (1991).
O ano de 1957 pode ser considerado como um marco divisor
da carreira naturalística de Berla. Neste ano ele é admitido como Pesquisador
Assistente do Conselho Nacional de Pesquisas e publica seus dois últimos artigos
ornitológicos genuínos. A partir do ano seguinte, até a sua aposentadoria, ele
passa a estudar e produzir apenas trabalhos de acarologia, mais especificamente
sobre ácaros que vivem nas penas das aves. Portanto, essa mudança de campo de
atuação mantém, em parte, sua vinculação com a ornitologia. Esses dois artigos
de 1957 provém de suas atividades de gabinete, reavaliando material do MNRJ
coletado por terceiros. Berla em "Sobre o gênero Merulaxis Lesson, 1830
(Aves, Rhinocryptidae)" (Bol. Mus. Nac. Zool. no. 167:1-7) reconhece
diferenças entre um espécime da Bahia (Ilhéus) em confronto com outros do resto
de sua distribuição, antecipando-se, em parte, às conclusões de Sick (1960)
sobre a mesma matéria, que culminaram com a descrição de Merulaxis
stresemanni. Em "Sobre a validade de Crypturellus variegatus lakoi
(Miranda Ribeiro, 1938) (Aves, Tinamiformes)" (Rev. Bras. Biol.
17(3):303-304), ele defende a separabilidade desta forma – não admitida pelos
demais autores - a partir do exame dos lectótipos depositados no MNRJ.
Os holótipos das três formas descritas por Berla,
encontram-se depositadas na coleção ornitológica do MNRJ: Tinamus solitarius
pernambucensis Berla 1946, no de registro MN 24626; Todirostrum tricolor
Berla 1946, MN 13145, Touit surda ruficauda Berla 1954, MN 24681
(Gonzaga 1989a:29,30, Gonzaga 1989b:62).
A
dedicação ao estudo sistemático dos ácaros plumícolas (1958-1973)
Berla foi um dos pioneiros no estudo de ácaros
plumícolas de aves brasileiras. Desde 1940, quando de sua excursão ao Espírito
Santo, ele começou a acumular lâminas destes ectoparasitas, obtidas a partir do
material ornitológico coletado. Antes de 1958, ano em que passou a publicar
artigos sobre ácaros, apenas três artigos descrevendo novos táxons destes
artrópodes haviam sido produzidos no Brasil, Novaes & Carvalho (1952a,
1952b) e Novaes (1953). Ainda assim, em sua maior parte, o material utilizado
pelo seu colega Novaes, na descrição destas novas espécies, havia sido também
coletado por Berla.
Até 1973, ele publicou 13 artigos onde descreveu a
seguinte quantidade de novos táxons: 1 família, 13 gêneros e 42 espécies, além
de elaborar redescrições mais completas de 5 espécies que haviam sido
superficialmente descritas no século passado. A seguir é fornecida a relação
integral destes artigos:
Berla, H. F. 1958. Analgesidae Neotropicais. I – Duas
Novas espécies de Pterodectes Robin, 1868 (Acarina – Proctophyllodinae)
coletadas em Fringillidae, Aves, Passeriformes. Bol. Mus. Nac., Zool. no.
186:1-6.
Berla, H. F. 1958. Analgesidae Neotropicais. III –
Redescrição de Pteronyssus chiasma Trouessart, 1885 (Acarina,
Pterolichinae), hóspede de Ramphastidae (Aves, Piciformes). Rev. Bras. Biol.
18(3):337-339.
Berla, H. F. 1959. Analgesidae Neotropicais. II– Três
Novas espécies de Trouessartia Canestrini, 1889 (Acarina –
Proctophyllodinae), hóspedes de Fringillidae (Aves, Passeriformes). Bol. Mus.
Nac., Zool. no. 208:1-8.
Berla, H. F. 1959. Analgesoidea Neotropicais. IV– Sôbre
algumas espécies novas ou pouco conhecidas de acarinos plumícolas. Bol. Mus.
Nac., Zool. no. 209:1-17.
Berla, H. F. 1959. Analgesoidea Neotropicais. V– Sôbre
uma espécie nova de Proctophyllodes Robin 1868 e redescrição de
Pterolichus varians selenurus Trouessart, 1898 (Acarina, Pterolichinae).
Rev. Bras. Biol. 19(2):203-206.
Berla, H. F. 1959. Analgesoidea Neotropicais. VI– Um
novo gênero de acarinos plumícolas (Acarina, Proctephyllodinae). Hóspede de
Oxiruncidae (Aves, Passeriformes). Studia Entom.
2(1-4):31-32.
Berla, H. F. 1960. Analgesoidea Neotropicais. VII– Novas
espécies de acarinos plumícolas. Anais Acad. Bras. Ci.
32(1):95-105.
Berla, H. F. 1960. Analgesoidea Neotropicais. VIII–
Acarinos plumícolas parasitas de aves do Brasil. Rev. Bras. Biol.
20(2):149-153.
Berla, H. F. 1959. Analgesoidea Neotropicais. IX– Uma
nova espécie de Trouessartia Canestrini, 1899. Bol. Mus. Nac.,
Zool. no. 241:1-5.
Gaud, J. & H. F. Berla 1963. Deux genres nouveaux de
ATUALIDADES ORNITOLÓGICAS N. 87:4-6 (9 of 20) [9/5/2002 19:19:06] Galeria
Biographica IV
Sarcoptiformes plumicoles (Analgesoidea). Acarologia
5(4):644-648.
Gaud, J. & H. F. Berla 1964. Fainalges
trichocheylus n.g, n.sp., curieux représentant de la famille des Analgidae.
Acarologia 6(4):690-693.
Gaud, J., W. T. Atyeo & H. F. Berla 1972. Acariens
Sarcoptiformes plumicoles parasites des Tinamous. Acarologia
14(3):393-453.
Berla, H. F. 1973. Analgesoidea Neotropicais. X– Uma
nova espécie de Pterodectes Robin, 1877. Rev. Bras. Biol.
33(1):21-22.
Não sendo apenas pioneira, a sua contribuição ao estudo
dos ácaros plumícolas no Brasil, teve caráter de inegável relevância, visto que,
nenhum outro autor brasileiro, até o momento, dedicou tantos esforços ou
produziu maiores resultados no estudo taxonômico destes ectoparasitas (I.
Ferreira, com. pess.).
Os holótipos de suas novas espécies de ácaros, a partir
de informação constante dos trabalhos originais de descrição, encontram-se
[supostamente] depositados no MNRJ, Smithsonian Institution, Washington,
D.C.; American Museum of Natural History, Nova Iorque; Muséum National
d’Histoire Naturelle, Paris; Ohio State University, Colombus.
Seu nome consta como o ‘quase único’ especialista em
Analgesoidea Neotropicais na extensa relação de acarologistas do Mundo preparada
por Johnston (1979).
Epílogo
Embora a grande maioria de seus trabalhos de campo
tenham se concentrado na região Sudeste, existe registro de que Berla esteve, ao
menos uma vez, coletando material zoológico na Amazônia. Novaes (1974:14)
informou que ele esteve no Amapá, entre setembro e outubro de 1963, reunindo
algum material ornitológico, principalmente na Serra do Navio. Desta coleção,
Pacheco conseguiu em 1982 encontrar apenas um exemplar nas coleções do MNRJ;
trata-se de um exemplar não sexado de Glyphorynchus spirurus da Serra do
Navio, coletada em 9 de setembro, não relacionado por Novaes (1974).
Em 1965-6, esteve nos Estados Unidos em viagem de
pesquisas, após receber uma bolsa da Fundação John Simon Guggenheim. Neste
período pode aproveitar a oportunidade para visitar coleções ornitológicas e
acarológicas depositadas nas instituições americanas, bem como realizar diversos
contatos profissionais.
Segundo portarias administrativas do MNRJ, publicadas no
Bol. UFRJ, após 1969, foram concedidas a Berla diversas autorizações para
realizar excursões à varias localidades de diferentes estados. Essas excursões
visavam coletar material zoológico nas seguintes regiões: arredores da cidade do
Rio de Janeiro (1969, 1973, 1974), outros locais do Estado do Rio de Janeiro
(1969, 1970, 1971, 1974, 1975, 1976), São Paulo (1969), Minas Gerais (1969,
1970), Maranhão (1970, 1971), Espírito Santo (1974, 1977) e Bahia (1969, 1970,
1974). Isto demonstra que ele se manteve ativo – em atividades de campo - até
1977, quando sérios problemas cardíacos foram diagnosticados.
Em 1980, Berla se aposentou como Professor Titular
(Port. 26, de 14/1/80 – MN), cargo que já ocupara desde o enquadramento
funcional havido em 1969. A partir daí, distancia-se gradativamente de suas
atividades naturalísticas, devido ao progressivo agravamento de sua doença
cardíaca, que acabaria por levá-lo a morte em 10 de fevereiro de 1985.
Uma curta nota biográfica sobre Berla, constando da obra
de Nomura (1995:57-58), indica ter sido ele homenageado também em duas
descrições de insetos: Dicrana herberti Machado Filho, 1957 (Dermaptera,
Pygidicranidae) e Oxysarcodixia berlai Lopes, 1975 (Diptera,
Sarcophagidae).
Mais recentemente, Pacheco (1995) homenageou a memória
de Berla, dedicando-lhe o trabalho, em reconhecimento a sua contribuição no
esclarecimento de detalhes relativos a história das coleções de aves do MNRJ.
Agradecimentos
Aos familiares do biografado, especialmente a Amílcar
Berla e Cremilda de Medeiros Pinto, pelas importantes informações prestadas,
empréstimo das fotografias, confiança e apoio prestados. Aos Prof. e colegas
Fernando C. Novaes, H. Nomura, J. Becker, F. Olmos, L. P. Gonzaga, Maria José V.
da C. Santos pelo envio de material bibliográfico, discussão de idéias ou
esclarecimento de alguns pontos obscuros. Aos colegas Claudia Bauer e Paulo
Sérgio Moreira da Fonseca pela leitura crítica do manuscrito e, por fim, ao
Prof. Ildemar Ferreira, da UFRRJ pelas informações relativas ao "estado da arte"
do estudo de ácaros plumícolas e calamícolas no Brasil.
Referências
Anônimo 1956. Uma expedição biológica percorre Goiás.
Veracruz, Anápolis 1(6):66.
Cunha, O. R. 1989. Talento e atitude: Estudos
biográficos do Museu Goeldi, I. Belém: Museu Paraense Emílio
Goeldi.
Delacour, J. 1957. The Machris Brazilian Expedition,
General Account. Los Angeles Co. Mus. Contr. Sci
(2):1-11.
Feio, J. L. de A. 1960. O Museu Nacional e o Dr. Emilio
Joaquim da Silva Maia. Pub. Avuls. Museu Nacional no.
35.
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